quarta-feira, 29 de outubro de 2008
Ricardo Evangelista e Sueli Silva-Sarau Tropeiro
“POETAS QUAE SERA TAMEN” – EM MONTEVIDÉO:Ricardo Evangelista, Sueli Silva e eu (*)
POR CLEVANE PESSOAL ( Escritora, poeta, jornalista e psicóloga )
O espetáculo musical-poético "Poetas Quae Sera tamen" tem a característica de mostrar algumas raízes da mineiridade, em especial a complexidade cultural do tropeirismo, o que, por analogia, o autor denomina "Tropeirismo Cultural".
Trata-se da conjugação de duas pessoas: Ricardo Evangelista, sociólogo e pesquisador, poeta coordenador do Sarau do Centro de Cultura Lagoa do Nado, pólo que já angariou respeito por sua ampla movimentação cultural e Sueli Silva, compositora e arranjadora, cantora, que o acompanha ao violão, musica seus versos.
"Poetas Quae Sera Tamen " mostra causos, fala caipira, cantigas e também a forte poética social do autor, que também se faz acompanhar por sua percussão .Leva alegria e faz refletir com seu contexto contundente.
A finalidade expressa, além da transmissão da beleza poética e da musicalidade em si é levar Minas Gerais ao alcance de todos..O mais recente sucesso do show foi no VIII Encontro Cultural aBrace, em Montevidéu Uruguai, onde Ricardo e Sueli se apresentaram, com uma participação de Clevane Pessoa de Araújo Lopes, representante do MC Abrace em Belo Horizonte,sensibilizando profundamente autores de todas as partes do Mundo, em especial da América Latina´.
Entrevista Concedida á Clevane Pessoa, com Sueli Silva (SS) e Ricardo Evangelista (RE), sobre FESTIVAL DA CANÇÃO DE CURVELO, A MÚSICA TAPA NO CAPETA, MONTEVIDÉO E ETC.
1)Como receberam a notícia da seleção no III FESTIVAL DA CANÇÃO DE CURVELO?
Resp.:RE:
Nós recebemos um telegrama da organização do III FESTIVAL DA CANÇÃO DE CURVELO MOSTRA TALENTOS, comunicando a classificação da música "TAPA NO CAPETA", composta por mim e Sueli, para as disputas do dia 13 e 14/04. Caso nos classifiquemos, iremos defendê-la na final de domingo, 15/04 às 20:30 horas , na praça Central do Brasil, em Curvelo/MG.
2)Vcs costumam compor juntos? Ser um casal facilita ou dificulta a criação, no caso de vcs?
Resp.RE
Sim. Ultimamente com muita constância, devido aos nossos projetos atuais de fusão entre a poesia e a música. Pesquisa que fazemos juntos a pelo menos três anos. Facilita por um lado, pois estamos sempre juntos em casa, principalmente no período da noite e nos finais de semana. Às vezes dificulta por causa das discordâncias, mas embora entremos em conflitos estéticos, acabamos nos entendendo bem dentro e fora da arte.
3)Como surgiu a idéia do "Tapa no Capeta"?
Resp.:RE
O "Tapa no Capeta" tem uma história interessantíssima e bonita. Tudo começou com um sonho de Sueli. No sonho ela ouvia sua avó cantar "EU DEI UM TAPA NA CABEÇA DO CAPETA/ QUANDO A COISA FICOU PRETA/ EU COMECEI FOI A REZAR". Segundo Sueli, ela via sempre a avó cantar essa cantiga, quando ela era menina, ainda lá pras bandas de Arcos/MG. Depois descobrimos que este verso era de domínio público, também cantado pelos capoeiristas. Ela resolveu compor a música e eu fiz as demais estrofes. Foi uma parceria mesmo. Depois de experimentar a música de vários modos, surgiu a idéia de fazer um baião contemporâneo. A coisa é caótica mesmo, não linear. Então entrou na história o pai de Sueli o violeiro e sanfoneiro, contador de causos, Seu Juca. Ele contou-nos uma pequena história de sua infância que remete aos tempos da quaresma. Inclusive foi quando Grace e o cantador Alexandre Ribeiro foram conosco para o sítio do “Juca”, lá em Arcos. Sempre ficávamos proseando à noite em volta do fogão à lenha. Então, Seu Juca nos brindou com uma pequena anedota que lembrava os tempos remotos de quaresma na roça. Achamos maravilhosa a história e resolvemos colocá-la na introdução da música, pois tinha tudo a ver. Engraçado por que eu tenho um poema do meu primeiro livro que fala dessas coisas boas mineiras que é conversar, tomar umas “pinguinhas”, tocar uma viola ao calor do fogão à lenha e das saudades. Depois chamamos o Daniel Carlos, violonista, menino novo, mas muito sério e competente e ele fez junto com Sueli um novo arranjo, com o qual enviamos ao festival da canção de Curvelo. Agora temos uma bela canção que vem repleta desse imaginário de Minas e que irá compor o primeiro trabalho do duo “Ricardo e Sueli ( CD – POETAS QUAE SERA TAMEN , a ser lançado em julho dentro do Belô Poético ). Portanto, acho que esta criação ( TAPA NO CAPETA ), tem a força da coisas ligadas a ancestralidade, ao sonho e à poesia e tudo aquilo que tece o lirismo. Marca registrada do artista popular brasileiro.
4)Qdo vc começou a se ligar em música, poesia, etc ?
Resp.:RE
O primeiro impacto foi ver meu padrinho ( que me batizou com o nome de Ricardo ), tocar violão nas festas de domingo em minha casa . O apelido dele era Chiquinho. Sujeito elegante, boêmio, seresteiro. Gostava de caipirnha, feijoada, seresta e gostava de reunir a meninada, naqueles almoços de domingo e por tabela, mostrar as cantigas lindas da música popular. E era Pixinguinha, Noel, cerveja, Assis Valente, futebol, Chico Alves, caipirinha, Martinho da Vila, jogo de buraco e tantos outras delícias nacionais. Vivíamos os difíceis anos de chumbo dos anos 70, mas a meninada nem fazia idéia. Lembro-me ainda dele tocando "urubu malandro", de Pixinguinha. Isso era, isso foi inesquecível! Jamais o esqueci. Eu sempre gostei muito das letras criativas da música popular brasileira. Antes o que tocava no rádio era música de excelente qualidade de letra. Hoje o que se toca nas rádios, virou um esculacho pros ouvidos mais exigentes. O Chiquinho, como era chamado, já se foi. Morreu quando eu era criança ainda, mas sua presença alegre, seu carisma, deixou marcas indeléveis na minha sensibilidade e admiração pela música popular. De lá pra cá venho ouvindo muita música brasileira, aprendendo sobre cultura brasileira e fazendo poesia. Embora seja poeta e poesia tenha sua peculiaridade a música sempre esteve presente no cotidiano da minha vida.
Resp.;SS.
Comecei a gostar de violão vendo o pai tocar. O afamado “Seu Juca de Arcos” Ele era violonista, sanfoneiro, cavaquinista e tinha uma dupla com meu tio. Tocava com ele nos bailes da roça, nas festas religiosas, nas grandes fazendas, nos casamentos e em todo lugar onde eram chamados. Então me interessei pelo toque do violão. Só que meu pai não tinha método para ensinar. Ele também aprendeu de ouvido. Era, e é até hoje todo Instintivo para música. Depois, comecei a frequentar a bandinha do Sô Bené, lá em Arcos. Além de não ter instrumento eu não conseguia carregar o violão, pois era muito pequena, embora fosse corajosa e independente. Foi por pouco tempo que freqüentei a famosa bandinha do Sô Bené. E acabei por me empolgar com o clarinete. Por que o violão era grande demais, como havia dito. Mas o clarinete não vingou, eu gostava mesmo era das cordas. Dei um tempo para a “bandinha do Seu Bené “ passei a pegar o violão velho e quebrado do meu pai, quando ele não estava em casa, lógico. Até a sanfona eu tentei. Mas também era grande demais, esforço em vão. No interior a gente freqüenta muita igreja, Minha mãe é muito religiosa até hoje. E foi lá na igreja que vi uma pessoa chamada “Vanessa”, tocando belamente um piano. Fiquei seduzida e admirada. Perguntei a ela o era aquilo que se fazia no instrumento. Ela paciente, respondeu-me que era as tais “notas” musicais. Pedi que me mostrasse. Ela me respondeu que fosse a casa dela para que me ensinasse. Chegando lá, ela me presenteou com um caderno e um lápis. Pediu-me para que cantasse pra ela alguma música que eu gostasse. Enchi o peito e comecei “Belo pra mim é criança brincar, é ouvir mil canções numa concha de mar...”. Depois ela surpeendentemente buscou um violão e colocou no meu colo. Fiquei arrepiada de emoção. Ensinou-me a segurar o violão, quais eram as cordas, e daí as notas. Freqüentei poucas aulas, pois lá em casa a gente começou a trabalhar já desde menina na casa dos outros. Vida dura! Foi o suficiente, daí em diante eu pegava de ouvido as músicas e as tocava no violão velho de meu pai. Coitado dos ouvidos da família de 10 irmãos... Todo dia era “Penas do Tié “, no ouvido da turma, durante 01 ano, sem cessar. Mas acho que valeu e vale a pena.
5)Acham que lograrão sucesso em sua apresentação?
Resp.:RE,SS
Já nos sentimos grandes vencedores. E se derem brecha a gente busca o prêmio. Nós não estamos de bobeira e temos uma paixão sincera pelo que nós fazemos.
6)No Uruguai, recentemente, vcs se apresentaram com “Poetas quae sera Tamen”. Como foi o feed back de pessoas que os assistiram , a maioria em outra idioma?Acreditam que a Música e a poesia são Linguagens Universais?
Resp.:RE,SS
A emoção humana, a sensibilidade é capaz de superar grandes diferenças de língua, de cultura. Foi inesquecível ver pessoas de outros países se emocionarem com nossa poesia, nossa canção popular e a arte advinda dos Gerais.
7)Quais os elementos facilitadores e os dificultadores dessa ida a Montevidéu, para o VIII ENc ABRACE Internacional?
Resp.:RE,SS
Como sempre o tal do financiamento ( “money” ) é a questão mais complicada. O MINC ( Ministério da Cultura/ programa de intercãmbio) bancou as passagens de avião da gente e nós financiamos do próprio bolso o restante das despesas. Como sempre a burocracia demorou um pouco pra liberar o dinheiro e acabamos chegando quase no meio do encontro. São os trâmites burocráticos... Você deve saber como é!. Lá tudo foi novidade e nossa simplicidade e também uma certa semelhança entre a língua portuguesa a e o espanhol, junto com a cortesia dos uruguaios, facilitaram a aventura em terras estrangeiras.
8)Qual foi o melhor momento nessa viagem?
Resp.:RE,SS
Tudo foi importante. Desde o contado com outra língua, assim como o raciocinar com outra moeda, outra lógica de ver o mundo é sempre desafiante. E nós gostamos dos desafios. Acaba por ser inevitável fazermos comparações, observar as virtudes e as limitações nossas. O Uruguai é um país pequeno e por isso, talvez os problemas sejam bem menores em relação aos problemas sociais do Brasil de estatura continental. Mas é sempre bom, nos enriquece como seres humanos, desvelamos belezas e riquezas que às vezes damos pouca importância em nosso país. O feijão afogado no alho, por exemplo, lá não vi, ou pelo menos não encontramos. Como ficamos com saudade do feijão mineiro da mamãe. Acredito que nós voltamos mais brasileiros e mineiríssimos.
9)Qual foi a receptividade do uruguaio e dos outros países ali representados aos músicos e à Poesia brasileira?
Resp.:RE
O povo Uruguai me pareceu bem receptivo. Fiquei impressionado o quanto somos queridos pelos outros povos. E não era nada forçado. As pessoas nos elogiavam gratuitamente. O brasileiro é mesmo diferente e carismático e isso é uma virtude nossa que devemos aproveitar com sabedoria. Levar nossa arte pro mundo afora, valorizar nossa língua e etc. Constatei também que devemos sair mais de nossa “aldeia” e conhecermos outros países, outras línguas, nos comunicarmos com o mundo e levar a cultua e a arte brasileira, pois ela é a nossa grande riqueza. Não tenho dúvida! Tomara que os governos de todas as esferas se alertem para essas questões de intercâmbio e integração cultural latina.
10)Quais as suas principais atividades naquela capital?
Resp.:RE e SS
Além de apresentarmos o espetáculo musical-poético “POETAS QUAE SERA TAMEN”, lançamos o livro “Embornal de Sons”, e Clevane lançou seu “Mulheres de água...” e visitamos bibliotecas, doamos livros, trocamos livros com livreiros, fizemos amizades, experimentamos a “parrilhada”, o churrasco dos uruguaios. Fizemos uma visita maravilhosa ao Instituto Brasil-Uruguai ( ICUB ), onde fomos muito bem recebidos pela Sra. Deolinda, gaúcha séria e simpática, onde também doamos livros, cds de poesia e cartazes-poemas. Fomos verdadeiros “embaixadores culturais”. Acredito que representamos com dignidade nosso país e valorizamos o dinheiro do povo que financiou parte da viagem até Montevidéo. Alías, não fizemos mais do que nossa obrigação.
(Entrevista em 2007)
Blog do Sarau Tropeiro:http://www.sarautropeiro.com/entrevista.htm
Ricardo e Sueli vivem em belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil- e ele é o organizador dos saraus de Poesia da Lagoa do Nado (Centro Cultural).
(*) Clevane Pessoa de Araujo Lopes
Diretora Regional do InBRasCi em Belo Horizonte MG
Representante do Movimento Cultural aBrace em Belo Horizonte, MG
***
As fotos são do casal são da mostra "Primavera Ambivalente", de Neuza Ladeira, em 21 de setembro, no Restaurante Cozinha de Minas, quando se apresentaram.Creditos das fotos:Clevane Pessoa,
A mostra de Neuza Ladeira, no Cozinha de Minas, foi produzida pela jornalista Brenda Mars.
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